BFF

Quando vejo uma lata de sardinha flutuando em alto mar, lembro que, de um navio naufragado nas ondas de areia do deserto, avistei uma trilha de escamas de peixe. Como se, um dia, o mar tivesse passado por entre aquelas altas montanhas e só tivesse restado o cheiro árido do abandono. Apesar da infertilidade da paisagem, as escamas levavam a algum lugar. As escamas levavam ao esconderijo das lagartixas de ouro.

Na entrada da caverna, as escamas sugeriram abaixar, para assim, entrar naqueles apertados túneis dos animais fascinan- tes. Olho à minha volta, às costas só vejo a nostalgia do que um dia foi água. Nesse ponto, sumiram as escamas, é escuro. Somente a curiosidade parece me puxar para dentro, a luz me engana fazendo brilhar cristaizinhos que quiseram ser estrelas, mas logo desistiram por estarem incrustrados no chão. A ilusão que o reflexo da luz nas paredes úmidas pudesse levar à comunidade dourada é o mesma das das águas transparentes do mar que ao se sobreporem em azul aproximam o fundo, mesmo quando ele está tão longe.

Sento e fico a pensar se o que seduziu as lagartixas nessa paisa- gem tão desgastada pela velhice teria sido a plasticidade das es- camas de peixe que, em uma mistura de cores, brilham sem nem ter valor. A falsa riqueza das pegadas do mar fez com que as lagartixas resgatassem o antigo, as escamas trouxeram a lembrança dos parentes distantes, dos peixes. Assim como as escamas, a latinha de sardinha que me olha em alto mar me recorda que um dia também fui lagartixa escondida no fundo das águas de areia.